Será que o plantar dentro da linha é o novo pintar dentro da linha?!



    Você já viu as propostas na internet com plantios dentro de uma linha pré-definida para ver uma letra ou forma geométrica
germinando?! Eu vi, recebi por direct de professoras e fiz com crianças de 4 e 5 anos. Quer saber como foi?! Vou te contar, mas antes uma pergunta para pensarmos juntas enquanto você lê esse texto: qual tua intenção?

Em uma tarde ensolarada, convidei uma menina de 5 anos do jardim B para plantar. Nas fotos ao lado, segue a sequência do dia do plantio e depois quando germinou. Fomos as duas para o pátio, pegamos a terra, uma bandeja daquelas que vem com morango, ofereci três sementes para ela escolher: rúcula, repolho ou rabanete. Ela escolheu a rúcula. Fizemos alguns furos na bandeja, para a água escorrer. Enquanto ela enchia a bandeja com terra, desenhei na mesa suja de terra as letras do meu nome e algumas formas geométricas, para provocar curiosidade, até então não havia dito o que iríamos fazer. Ela começou a desenhar também e fez a letra inicial do seu nome, o L. Perguntei se ela conseguiria fazer essa letra na terra que estava dentro da bandeja. Ela fez, adorou e refez várias vezes, ajustando “pra ficar bem bonita”. Perguntei se ela queria colocar as sementes dentro da linha da letra. Ela me olhou e comentou: “Posso? Será que as sementes vão nascer dentro do meu L?”. Respondi que poderíamos testar. Ficou encantada. Coloquei um punhado de sementes na palma de uma mão e com a outra, em formato de pinça, ela foi pegando as pequenas sementes que caíam parte dentro da linha e outras insistiam em saltar de seus dedos, se escondendo na terra para fora dos limites do L. Mesmo assim, ela foi semeando, com o foco e tranquilidade próprias de uma criança de 5 anos, que brinca diariamente com terra e que já plantou muitas vezes. Cobrimos com uma fina camada de terra, regamos delicadamente com um borrifador e ela levou para a sala seu experimento. Mostrou orgulhosa para a profe e suas colegas, que ficaram todas muito curiosas com o resultado. Combinamos que acompanharíamos primeiro a germinação dessas sementes, que todas ajudariam a cuidar e que em breve faríamos as letras de cada uma da turma.
Se germinou?! Sim. Deu certo?! Depende do ponto de vista e da intenção. Como aqui a intenção era realizar a proposta para entender a relação da criança com esse processo de plantar dentro de uma linha, sim, deu certo. Agora vamos às reflexões. 

Antes preciso destacar que fiz mais duas vivências como esta, uma com grupos de cinco crianças, com idades entre 4 e 5 anos e outra com uma turma de jardim A com 15 crianças. Fizemos em bandejas e em canteiros, tanto as letras dos nomes quanto formas geométricas, como na foto ao lado. Agora sim, bora conversar. 

As reflexões que proponho aqui partem dessas práticas, dessas propostas realizadas com as crianças, e posso afirmar que são muito válidas! A provocação é quanto à intencionalidade pedagógica que as acompanha. A partir do relato acima, quais pontos te chamaram atenção? O que você faria diferente? Quais foram as maiores dúvidas que te surgiram? Consegue imaginar as crianças da tua turma numa proposta assim? Vai fazer sentido para elas?

O resultado final da germinação, caso você esteja se perguntando, pode ver nas fotos que fica muito bonito. O ponto chave sobre o qual convido para questionar e refletir está na compreensão do processo, para que não seja uma atividade esvaziada de significado, mais uma sendo oferecida para a criança fazer, simplesmente fazer sem se conectar, sem criar intimidade, sem sentir pertencimento. Outro ponto que para observar é que, mesmo para uma criança de quase 6 anos, com destrezas e habilidades bem desenvolvidas, é difícil pegar essas sementes pequenas e plantá-las dentro da linha estabelecida com a letra do seu nome. As sementes saltam para fora dos limites da linha, caem na terra e é praticamente impossível de encontrar. Quando começa a germinação, surgirão plantas aleatórias ao redor da letra e uma letra composta por brotos que não estarão totalmente dentro da linha. Mas então vale a pena? Sim, claro que sim! Só estou convidando a refletir sobre qual a intenção com o resultado final e como será conduzido esse processo? Vamos aprofundar um pouco.

Sobre o processo e algumas considerações quanto ao planejamento

Sinto dizer, mas plantar com as crianças sem que antes aconteça o brincar com os elementos envolvidos não vai funcionar! Sem dúvida semear dentro de uma linha para ver germinar o formato desenhado é uma proposta potente e enriquecedora para a criança, contanto que algumas propostas sejam oferecidas:

·      Brincar livremente com a terra que será usada pra plantar;

·       Misturar essa terra com pedras e areia;
·        Explorar a terra usando colheres e os potes onde vão plantar;
·        Colocar água na terra e brincar com gravetos e panelas;
·        Testar essa terra úmida para fazer desenhos no chão e em folhas ofício;
·        Peneirar a terra e encontrar tesouros como pedras e pedaços de madeira;
·        Preparar comidas deliciosas com essa terra enfeitando com flores e folhas;
·        Conhecer e interagir com as sementes (com todo o devido cuidado);
·        E outras tantas brincadeiras que as próprias crianças desejarem.

Ah, e lamento contar que também não vai funcionar oferecer uma ou duas dessas propostas em apenas em um ou dois dias na semana e partir para o plantio. As crianças precisam brincar com TODOS os elementos envolvidos na proposta e com continuidade por alguns dias. Com esse brincar ela criará intimidade, relação, ela vai conhecer, investigar, descobrir as coisas, vai inventar histórias e compartilhar momentos únicos com seus amigos. Isso só é possível considerando frequência na oferta dos elementos e tempo de qualidade.

O adulto que deseja realizar uma proposta deve pensar primeiro na criança, nos seus desejos e vontades, no corpo que quer se movimentar e descobrir as coisas do mundo. Se uma professora simplesmente montar a estrutura com terra, potes e sementes para sua turma fazer o plantio, as crianças não vão fazer. Elas simplesmente vão querer brincar! Pensem comigo, vejam se concordam que é algo muito rápido para as crianças fazerem: pegar uma semente e colocar na terra. É pouco, é muito pouco, a criança pode e merece mais. Colocar a semente na terra é o fim de uma etapa que deveria acontecer por umas duas semanas, com muita brincadeira e vivências significativas. Assim, quando o adulto propuser o plantio da semente, a criança fará com envolvimento, com desejo de ver a vida crescer a partir da semente que ela já conhece, naquela terra que ela ama e que tantas brincadeiras proporcionou.

 Sobre a germinação e o que fazer com os brotos 

Durante o processo de cuidado das sementes, é preciso colocar água todos os dias, no mínimo duas vezes ao dia. Certifique-se de que a água está saindo pelos furos feitos nas bandejas e de que não fica acumulada na terra, se não as sementes irão mofar. Cuide também para que as bandejas de germinação estejam em local arejado, com boa ventilação e iluminado, sem sol direto. Em 7 dias, dependendo da semente, inicia então uma nova etapa, a da germinação e o acompanhamento do desenvolvimento dos brotos. Quando as plantas tiverem de duas a quatro folhas, pode-se convidar as crianças a cortar com tesouras e acrescentar em saladas. Os brotos são riquíssimos em nutrientes como vitaminas diversas, proteínas, fibras e antioxidantes.

Importante:

Ø  as sementes não podem ter sem agrotóxicos, nem aditivos químicos, você vai encontrar essas informações no pacote;

Ø  nem todo o broto é comestível, sugiro os seguintes: feijão, lentilha, rúcula, girassol, brócolis, rabanete, alfafa, alface, mostarda. 

Se desejarem, é possível plantar na horta ou em vasos para que se desenvolvam e tornem-se plantas adultas. Para isso, considere que uma semente deu origem a uma planta, então, usem como referência o tamanho da planta adulta para respeitar o espaçamento entre cada mudinha. De todas as sementes acima citadas, apenas a de rabanete não aceita esse transplante. Ou seja, ou vocês consomem como broto, ou plantam direto no canteiro para em 30 dias iniciarem a colheita.

 Considerações práticas

 Talvez usar formas vazada, das letras ou com formatos geométricos, para a criança semear dentro desse espaço vazio. Facilitaria o processo e estariam usando um artefato produzido vocês, feito de papelão, por exemplo.

Outra coisa, professoras, tentem fazer esses testes antes. Na escola mesmo ou em casa, e divirtam-se durante o processo, além de muitos aprendizados que só o fazer proporciona.

Você encontra as sementes para comprar em supermercados e agropecuárias. Dependendo do que você vai plantar, um pacote será suficiente. Confira a quantidade no rótulo.

 Espero ter contribuído.

Bons plantios e ótimas colheitas.

Que as crianças tenham cada vez mais oportunidade de convívio com a nauteza!

 

 


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