PEQUENA CRÔNICA: Sobre tomates e banheiros, uma infância (in)feliz?!

 

    

        Meados de janeiro, à tarde, crianças em férias. Estava eu em um supermercado e ouvi um comentário animado vindo de uma criança sentada na cadeirinha de um carrinho de marcado: “Olha pai, um bolinho do personagem que eu adoro.” O pai procurou o bolinho na prateleira, com os olhos um tanto aflitos temendo o preço do tal bolinho ou seu conteúdo, que por vezes são puro açúcar. Ele encontrou o bolinho na prateleira e respondeu: “Ah, sim, eu vi.” E para sorte e alívio dele a pequena de uns 4 ou 5 anos comentou: “Bem legal esse desenho.” Ufa, com certeza ele deve ter respirado, aliviado, pois ela não pediu para comprar. E seguiram pelos corredores, conversando e fazendo suas compras.

        Mais à frente, quase atropelo um menino de uns 6 anos, que surgiu do nada e corria entre as bancas de frutas e legumes. Consegui frear o carrinho em tempo. Eu ri. Dei uma olhada panorâmica e vi umas 7 crianças, com idades entre 3 e 8 anos, o que me chamou a atenção, pois é raro ver crianças no mercado no meio da tarde, já que costumam estar na escola. E sendo assim, se as crianças estão de férias, as famílias têm “trabalho dobrado”. Deixei destacado entre aspas, porque me pergunto se cuidar de uma criança, quando se é o responsável, seja pai, mãe, avó, poderia ser chamado de "trabalho", afinal, é uma criança, um ser humano que está se desenvolvendo para estar neste mundo e oferecer seu melhor. Ingenuidade da minha parte? Talvez. Ou uma visão de quem ainda não é mãe. Pode ser.

        Continuei ali escolhendo bananas. Então, passou por mim outro menino que corria, brincando com seu pai. Sim, outro pai fazendo compras com seu filho, curioso, não?! Fiquei feliz em ver. Eles brincavam assim: o pai fazia que iria correr e procurá-lo entre as bancas dos legumes, batia os pés no chão e o menino saia correndo. Isso dava tempo para ele escolher os tomates. O menino aparecia, correndo e sorrindo, o pai novamente batia os pés e caminhava em direção às batatas, enquanto o menino achava que ele estaria vindo pegá-lo. Mais tempo para colocar na sacola as redondinhas batatas. E assim foram inventando aquele momento juntos.

        Fui escolher cebolas. Bem perto de mim estava uma família: pai, mãe, uma filha de uns 9 anos e um menino de uns 6. Me chamou atenção quando ouvi o pai dizer no ouvido do menino, que estava no colo da mãe, segurando firme o pequeno braço: “Tu vai voltar pro carro. Te comporta, para de correr.” Cinco minutos depois ouço o menino choramingando, já em pé no chão, implorando para ir ao banheiro, agarrando firme o meio das bermudas. O pai novamente exclama: “Mas não é possível, estamos no mercado.” E o pequeno retruca: “Mas eu tô muuuuito apertadooo.” Contrariado, bravo e lentamente, quase como que de propósito, o pai pega o menino pela mão e começa uma lenta caminhada pelos corredores em busca do banheiro. O menino segue agarrando firme as bermudas, andando na frente e puxando a mão que pesava pra trás.

        Repito, ainda não sou mãe. Por isso, vou trazer agora meu contexto e vivência, para saberes de onde estou falando, com qual propriedade, conhecimento e vivência. Sim, pois conhecer é diferente de vivenciar. Sou só uma irmã mais velha com 3 e 7 anos de diferença da minha irmã e do meu irmão. Cuidei muito do caçula, troquei fralda, dei banho e ajudei a distrair e inventar brincadeiras com ambos, não é a mesma coisa, eu sei. No meu trabalho já são 10 anos dentro de escolas de educação infantil, nas salas de aula com as educadoras, levando educação ambiental e vivências com a natureza para as crianças. Convivo com quase 400 crianças o ano todo, em diferentes escolas, algumas destas, duas vezes por semana. Sou a “tia da natureza”, a “prof dos insetos ou das minhocas”, a “mãe das plantinhas” ou simplesmente a “prof Ananda”. E o que aprendi nesses últimos anos com cada um desses pequenos e pequenas?! Que as crianças têm o direito de conhecer o mundo de forma saudável, respeitosa, amorosa, divertida e principalmente, vivenciando com todo o seu corpo. 

        As crianças não só têm o direito, como precisam, anseiam, aprendem e se desenvolvem dessa forma. Precisam do olhar atento do adulto, que limita quanto aos perigos e avisa das regras para viver em sociedade; precisam da voz que dialoga e explica a vida e que também silencia quando necessário; as crianças precisam dos ouvidos que estão presentes para escutar os lamentos e as histórias de aventuras; e o mais importante, precisam brincar. Na verdade para uma criança, todo momento é uma brincadeira. As idas ao mercado e outros locais, são parte desses aprendizados, pelo menos deveriam ser, se não nunca saberão o que fazer e como se comportar. Repito, as crianças brincam e se a ida ao mercado for recheada com combinações do que ela pode fazer, fará tudo brincando, com foco na sua tarefa, e por consequência, entretida e fazendo parte, com a família, desse momento, aprendendo a ser e estar nos lugares.

        Se você continua lendo, é porque alguma coisa está fazendo sentido, mesmo que você tenha dado uma boa gargalhada só de imaginar ir no mercado com seus filhos e não acabar em birras e berros; ou talvez você tenha pensado em parar de ler, ou ainda que estou falando bobagem. Tudo bem, entendo. Só vou fazer um adendo ao meu contexto e lugar de fala: não são opiniões minhas, mas sim resultado de muito estudo, leitura e pesquisa. Para citar alguns exemplos da minha caminhada: assim que me formei, trabalhei com uma das grandes referências em educação ambiental na prática, Lucia Legan; durante a especialização estudei sobre os comportamentos das pessoas quando recebem conhecimento sobre meio ambiente; me aprofundei sobre o efeito que a falta de natureza pode causar para uma criança; no mestrado pesquisei um dos programas mais antigos de educação ambiental do Brasil. Essas e outras referências trarei em um próximo texto. Dito isso, vou dar continuidade e encaminhar para o encerramento deste texto.

        Existe uma coisa que pode ajudar as crianças quando estão em locais públicos, como mercados, lojas, shopping, para que compreendam o papel que têm no mundo e que são dignas de confiança. Essa coisa é a Natureza. Sim, simples assim. Por quê? Vou te trazer dez motivos. Porque conviver com a natureza requer:

  • cuidado com todos os seres vivos;
  • respeito com o lugar dos outros;
  • compreensão sobre limites do corpo dos outros;
  • equilíbrio para andar sob o solo irregular com raízes e buracos;
  • habilidade para viver adversidades como o vento, o sol nos olhos, o calor, carregar peso;
  • capacidade de enfrentar frustrações, como uma semente que não germinou;
  • ver que nada está pronto, que é preciso esperar para que um tomate amadureça, por exemplo;
  • saber que tudo se modifica, as nuvens no céu mudam sua forma, as folhas das árvores caem;
  • aceitar que nem tudo sai como desejamos, o tomate maduro tão aguardado pode ter sido comido por bichinhos durante à noite;
  • entender que não podemos ter tudo que queremos. Por exemplo, não podemos visitar uma floresta e trazer um macaquinho para casa.

       Fez sentido?!

       Você adulto que leu até aqui, quero saber se consegue visualizar do que estou falando. Sabe, a relação com a natureza é fundamental e primordial, além de um direito da criança. Entenda, todos esses aprendizados vão acontecer, conforme a criança vive, experimenta, corre, cai, pega, joga, tropeça, mistura, observa, ouve, sente...

       Se olhamos para as infâncias mais antigas, que brincavam na rua, podemos ver diferenças brutais de comportamento, certo?! Experimenta mudar alguma coisa no cotidiano da família, levando a criança pra brincar na rua, ou oferecendo elementos naturais como terra, água e folhas, ou então brincando um tempinho juntos (15 minutos, mas sem o celular na tua mão). Observa o antes e o depois. O que vai dar mais “trabalho”? Me conta, vou adorar saber!

        Conta comigo e até breve.

            

 

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